Para Entender a Crise
Todos, quase todos, sabem que a atual
crise econômica teve início com o estouro de uma gigantesca bolha
especulativa no setor imobiliário, em setembro de 2008, nos Estados
Unidos. Mas é só isso? Não haverá causas globais e estruturais que
expliquem melhor a presente depressão de praticamente todas as economias
do mundo? Não seria, enfim, o caso de estudarmos melhor o fenômeno
descrito como o das crises cíclicas que acometem periodicamente (grosso
modo a cada dez anos) o sistema (modo de produção) capitalista?
Esta coluna tentará dar resposta a estas perguntas.
Não é fácil compreender por que o Capital
chega a seu apogeu perdendo a capacidade de acumular, de reproduzir-se, o
que anuncia o seu crepúsculo. Digo que não é fácil, mas é só para
quem, por preguiça ou preconceito, evita a leitura dos textos de Marx.
Com a derrocada da União Soviética e a
predominância, nas últimas três décadas, dos dogmas neoliberais,
criou-se toda uma geração de economistas e sociólogos pela metade. Eles
não percebem, por exemplo, que embora crítico da sociedade capitalista,
Marx não refutou a essência da teoria econômica emanada de Adam Smith,
David Ricardo e Jean Baptiste Say, três dos principais fundadores da
ciência econômica moderna.
Na verdade, Marx deu sequência lógica às
teorias desses três clássicos, os primeiros (embora sem espírito
crítico) a desvendarem os segredos da acumulação do Capital e suas
conexões como Trabalho e a Natureza, enquanto recursos naturais.
De Willian Petty (um contemporâneo de
Ricardo e Say), Marx colheu uma frase (verdadeira pérola) e a cita logo
no primeiro capítulo de sua principal obra, O Capital.
Eis a frase de Marx, citando Petty: “O
trabalho não é a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza
material (o capital). Dela o trabalho é o pai, como diz Willian Petty, e
a terra é a mãe”.
Não é preciso, portanto, ser nenhum gênio
para se compreender que em seu processo de acumulação, o Capital,
obrigatoriamente, engole uma fatia de trabalho excedente (inútil) e
concomitantemente, engole uma fatia excedente e inútil da Natureza.
E é preciso muita ignorância ou má fé,
insistir, como alguns ecologistas de última hora estão fazendo agora no
Rio+20, que é possível salvar a Humanidade do desastre ecológico desde
que o Capital fique mais bem comportado.
Como tenho repetido neste blog, supor um
Capital bem comportado e ecologicamente correto, é supor o vampiro
vegetariano. Isto porque, sendo ele próprio um excedente acumulado, o
Capital é geneticamente dependente da produção de excedentes. Sem isso,
ele desvanece e ingressa em sua fase terminal.
Dizendo de forma simplificada, o capital
só acumula explorando excedentes de trabalho vivo. Aquele obtido pela
velha e boa mão de obra, no chão da fábrica, por exemplo. Na atual fase,
via desenvolvimento tecnológico vertiginoso, o Capital consegue se
desvencilhar desse tipo de trabalho. Em consequência,
concomitantemente, vai perdendo sua densidade de valor.
E segue assim, até o momento em que o
grau de automação é tão grande que a utilização de mão de obra torna-se
ínfima e a densidade de valor aproxima-se do zero. Individualmente as
empresas continuam auferindo lucros, mas o Sistema como um todo, perde a
capacidade de acumular, porque deixa de extrair mais valia, (excedente
de trabalho vivo) o verdadeiro e único fator de acumulação.
E faltou dizer ainda que à medida em que
perde densidade, o Capital (enquanto Sisstema) passa a girar mais
rapidamente, para compensar, com o maior número de giros, a menor mais
valia obtida. Dai a descartabilidade e a obsolescência programada
executadas de forma vertiginosa. Ou seja: o Capital não só não vai ficar
bonzinho, como torna-se mais feroz a cada giro de sua acumulação.
Empiricamente, é fácil perceber que em
função dos fenômenos descritos acima, os capitais individuais migram ou
para o grande cassino da especulação financeira ou para a periferia do
Sistema, países emergentes como China, Índia ou Brasil, bem como para
nações mais atrasadas, porém promissoras, como Angola. Nesses locais
ainda podem ser encontrados bolsões (currais) de extração de mais
valia.
E a esse processo que dou o nome de
insustentável leveza do Capital. E, como sempre faço, acrescento logo aí
abaixo um texto que pode auxiliar o leitor não familiarizado com os
textos marxistas.
Eis o texto:
O Crepúsculo do Capital
Todos comentam a atual crise econômica mundial, mas poucos percebem
que ela é, na verdade, uma crise do próprio modo de produção
capitalista. Trata-se de um sistêmico que aponta para
crescente incapacidade de o Capital acumular o seu próprio excedente. É
a fase crepuscular ou terminal. Entender isso não é muito complicado
desde que se saiba, preliminarmente:
1-O Capital é, em si, um excedente. Excedente de trabalho (próprio ou alheio) que não é consumido e sim acumulado.
2-O Capital só obtém lucro efetivo na
sua parte variável, dinheiro vivo reservado para pagamento de salários. É
essa a parte do Capital que retorna ao bolso no proprietário, inflado
pelas horas excedentes (não confundir com horas extras) de trabalho não
pagas, a famosa mais-valia.
3-A parte fixa ou constante do Capital,
máquinas e equipamentos (e insumos também) não fornece, a rigor, nenhum
lucro ao capitalista. Isto, pela boa razão de que ela transfere o seu
próprio valor para o valor da mercadoria que ajuda a produzir. No caso
dos insumos (energia e matérias-primas) esta transferência é
instantânea. No caso de máquinas a transferência pode levar anos. Mas,
inexoravelmente, insumos, máquinas ou equipamentos se exaurem, cedo ou
tarde, na produção das mercadorias. Entretanto, é aqui, na sua parte
constante, que o Capital acumula.
4-A última frase do item anterior não é
gratuita: o Capital só materializa e fixa os lucros obtidos com a rodada
anterior de exploração do trabalho, quando investe em novas máquinas e
em mais terrenos e edificações. É assim e só assim que ele realiza sua
acumulação ou, mais propriamente, sua reprodução ampliada. Pois é assim
que ele amplia sua capacidade de explorar mais trabalho a partir da
mesma base inicial.
Agora reparem (e isto é estampado
diariamente pela mídia) que o Capital está em permanente revolução
interna, sempre substituindo sua parte variável (salários e mão de
obra) pela parte constante (máquinas e equipamentos). É a automação
vertiginosa que acomete o Sistema nesta sua fase terminal. Quando as
máquinas e equipamentos perdem densidade de valor ou simplesmente
tornam-se descartáveis (substituídas em prazos cada vez mais curtos), o
Capital vai, concomitantemente, perdendo sua capacidade de acumulação.
Então, fica nítida a noção de que,
principalmente nos países tecnologicamente mais adiantados, o Capital
(entendido aqui como o conjunto de capitais – o Sistema), vai
despregando-se daquela parte que dá lucro, bem como daquela onde ocorre
a acumulação efetiva.
Quando isto ocorre, o Capital toma três rumos: a-
deixa de ser produtivo e transforma-se em capital de serviços que dá
lucro, mas não realiza a acumulação clássica que só ocorre (como foi
exposto acima) no capital efetivamente produtivo, industrial ou
agrícola; b- ingressa no cassino especulativo e passa a
obter a maior parte de seus lucros não mais no chão da fábrica, mas
no departamento financeiro e c- migra para a periferia
do sistema, os países em desenvolvimento, onde ainda é possível obter
altas taxas de mais-valia, em função da mão de obra barata. Neste último
caso, China, Índia e Brasil são três excelentes exemplos.
Enfim, creio que aí está um pequeno,
porém eficiente, roteiro para acompanhar a atual crise com melhor
capacidade de percepção dos fenômenos que são subjacentes a ela e vão
muito além das baboseiras repetidas à exaustão pela mídia pobre e
podre.
Reparem, ainda, que o que foi dito aí em
cima, não é simples literatura marxista dogmática e sim leitura correta
dos antigos clássicos da economia como Adam Smith, David Ricardo e
Jean-Baptiste Say, em cujos textos Marx colheu os fundamentos para
desenvolver sua teorias sobre a acumulação capitalista. Um processo que
chega agora à sua fase crepuscular.
O Neofeudalismo
A esta fase crepuscular eu dou o nome de Neofeudalismo, a etapa superior do Imperialismo.
O Neofeudalismo tem como principal
característica a monopolização e/ou oligopolização extremas e a nível
mundial. Some-se a isso, a terceirização da produção. As grandes
corporações cedem a terceiros avassalados, sua marca, suas invenções e
modos de produção e venda. Assim, passam (eis aí o aroma feudal) a
auferir renda com algo que é de sua propriedade, sem se imiscuirem na
produção propriamente dita.
Com isso, como já é visível a olho nu,
há uma total revolução das relações do trabalho, somada ao crescente
descarte de mão de obra, por conta da vertiginosa automação. Nasce aí o
chamado desemprego estrutural.
E desemprego estrutural é um eufemismo,
um nome técnico que se dá a algo brutal: a exclusão definitiva de
populações inteiras ao redor do Mundo. Populações que se tornam
excedentes e descartáveis enquanto elementos do processo produtivo.
Fonte: Fatos Novos Nova Ideias por Francisco Barreira